quinta-feira, 31 de março de 2011

CONFISSÃO DE UM PROFESSOR...

NÃO FIQUE CALADO, SINTA-SE ANTES INDIGNADO, E FALE, SE CALHAR AO SEU
LADO EXISTE ALGO IDÊNTICO, ABRA OS OLHOS E FALE...

O Diário do Professor Arnaldo - A fome nas escolas

Publicado em 19 de Novembro de 2010 por Arnaldo Antunes

Ontem, uma mãe lavada em lágrimas veio ter comigo à porta da escola.
Que não tinha um tostão em casa, ela e o marido estão desempregados e,
até ao fim do mês, tem 2 litros de leite e meia dúzia de batatas para
dar aos dois filhos.

Acontece que o mais velho é meu aluno. Anda no 7.º ano, tem 12 anos
mas, pela estrutura física, dir-se-ia que não tem mais de 10. Como é
óbvio, fiquei chocado.
Ainda lhe disse que não sou o Director de Turma do miúdo e que não
podia fazer nada, a não ser alertar quem de direito, mas ela também
não queria nada a não ser desabafar.

De vez em quando, dão-lhe dois ou três pães na padaria lá da beira,
que ela distribui conforme pode para que os miúdos não vão de estômago
vazio para a escola. Quando está completamente desesperada, como nos
últimos dias, ganha coragem e recorre à instituição daqui da vila -
oferecem refeições quentes aos mais necessitados. De resto, não conta
a ninguém a situação em que vive, nem mesmo aos vizinhos, porque tem
vergonha. Se existe pobreza envergonhada, aqui está ela em toda a sua
plenitude.

Sabe que pode contar com a escola. Os miúdos têm ambos Escalão A,
porque o desemprego já se prolonga há mais de um ano (quem quer duas
pessoas com 45 anos de idade e habilitações ao nível da 4ª classe?).
Dão-lhes o pequeno-almoço na escola e dão-lhes o almoço e o lanche.
O pior é à noite e sobretudo ao fim-de-semana. Quantas vezes aquelas
duas crianças foram para a cama com meio copo de leite no estômago,
misturado com o sal das suas lágrimas...
Sem saber o que dizer, segurei-a pela mão e meti-lhe 10 euros no
bolso. Começou por recusar, mas aceitou emocionada. Despediu-se a
chorar, dizendo que tinha vindo ter comigo apenas por causa da
mensagem que eu enviara na caderneta.

Onde eu dizia, de forma dura, que «o seu educando não está minimamente
concentrado nas aulas e, não raras vezes, deita a cabeça no tampo da
mesma como se estivesse a dormir».
Aí, já não respondi. Senti-me culpado. Muito culpado por nunca ter
reparado nesta situação dramática.
Mas com 8 turmas e quase 200 alunos, como podia ter reparado?

É este o Portugal de sucesso dos nossos governantes. É este o Portugal
dos nossos filhos.